quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A enorme potencialidade da cana-de-açúcar

27/11/08 - Recentemente, duas empresas brasileiras, uma de investimentos e outra de usina de cana, anunciaram um arrojado acordo comercial com uma empresa de tecnologia americana para a produção de diesel de cana. Trata-se de um novo biocombustível, que irá substituir o petrodiesel em caminhões, ônibus, tratores e semelhantes. A tecnologia foi mais complexa para desenvolver que para explicar. Cientistas introduziram 15 genes de outras espécies no fermento Sacharomyces cerevisiae, que passa a produzir farneceno em vez de álcool.

Este acordo comercial é uma decorrência do enorme sucesso do bioetanol, inicialmente como combustível dos veículos a álcool e, recentemente, dos flex-fuel. Nos últimos cinco anos, a cadeia
sucroalcooleira ganhou musculatura suficiente para investirem novos negócios, tanto em energia quanto na química fina. Quem se acostumou a associar cana com açúcar terá que reformular seu
mapa mental. Até a década passada, o açúcar era o principal produto da cana, hoje substituído pelo etanol. Mas que deverá reinar por pouco tempo, pois duas ondas de negócios poderosos
emergem a partir da cana: a bioeletricidade e os bioprodutos, resultantes das biorefinarias. Este é um conceito inspirado nas refinarias de petróleo, para gerar produtos que sucederão os derivados da petroquímica, como plásticos, polímeros e insumos para a química fina e farmacêutica.

Por que a cana apresenta esta potencialidade? Mais que tudo por sua alta densidade energética: uma tonelada de cana possui energia equivalente a 1,3 barril de petróleo (1,7GJ). Comparemos a cana com paradigmas conhecidos. Primeiro com a usina de Itaipu, cujo pico de produção de energia elétrica, ocorrido em 2002, foi de 93TWh. Pois a colheita de cana de 2008 equivale, em termos energéticos, a dez usinas de Itaipu. Com a diferença de que a cadeia da cana gera milhares de vezes mais empregos que Itaipu.

A segunda comparação é com a reserva petrolífera de Tupi, descoberta pela Petrobras. Imaginando que, a partir deste ano, 50% da demanda de petróleo brasileira viesse dessa reserva, ela se esgotaria antes de 2030. Para produzir o equivalente à energia do petróleo de Tupi, seria necessário cultivar apenas 2,5 milhões a 3 milhões de hectares de cana, que continuariam produzindo após 2030, além de gerar milhares de vezes mais empregos que os oferecidos pela cadeia petrolífera.

Apesar do natural potencial, foi necessário um auxílio da ciência para que a cana produzisse tamanha energia e apresentasse alta competitividade, tanto no mercado alimentício quanto no energético ou químico. Para tanto, centenas de cientistas trabalharam para garantir a maior produtividade da cana, com custo mais baixo e com menos impacto ambiental. Como o leque de negócios da cana se expande exponencialmente, seu cultivo deverá crescer na mesma razão.

Portanto, é necessário, periodicamente, efetuar uma análise estratégica dos rumos que a cana tomará, das mudanças negociais e ambientais, e gerar uma agenda de pesquisa que torne a
tecnologias disponíveis assim que o setor produtivo as demandar. Com este espírito organizamos, em setembro passado, o workshop Sugarcane Technological Roadmap, cujo resultado foi uma visão clara da agenda de pesquisa e desenvolvimento até 2030. Neste período a cana enfrentará o desafio de ingressar em novas áreas do Centro e do Norte do Brasil, onde antes jamais houvera sido cultivada, demandando novas variedades, fórmulas inovativas de fertilização, manejo da água de irrigação, entre outros.

Ficou clara a necessidade de introduzir na genética da cana tolerância ou resistência a estresses, sejam bióticos (pragas e doenças) ou abióticos (seca, temperatura, salinidade, acidez do solo), assegurando que a cana fixe nitrogênio doar, para garantir sua competitividade no novo ambiente produtivo. A colheita mecânica será a marca das próximas décadas, significando diversas alterações nas variedades e no conjunto de tratos culturais do sistema de produção. Parte da palha que era queimada no campo, agora será levada para as usinas, para gerar bioeletricidade, o que significa estudos para adequar a cultura aos novos tempos. A necessidade de racionalização de operações e de custos exigirá modificações de paradigmas seculares, como novas técnicas de plantio da cana.

O resultado do workshop foi altamente compensador, pela visão estratégica que proporcionou sobre o futuro da cultura e as necessidades de investimentos em ciência e tecnologia.


Décio Luiz Gazzoni
Fonte: Gazeta Mercantil

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