quinta-feira, 29 de maio de 2008

Cana: da competitividade à sustentabilidade

Tornar-se competitiva, foi o grande desafio da indústria sucroalcooleira nos últimos 30 anos. A elevação média de produtividade à taxa de 3,7%/ano resultou de investimentos continuados em pesquisa, apesar da insistência de que o etanol não era competitivo com a gasolina. Mas o tempo demonstrou a competitividade empresarial do etanol, cujo custo médio de produção é de US$ 1,6 por galão, contra US$ 2,8 do galão de gasolina no mercado livre.

Vencido o desafio da competitividade, resta o da sustentabilidade, do ponto de vista social, ambiental e econômico. Cabe-nos enfrentar uma batalha acirrada contra o etanol no âmbito midiático, onde não faltam matérias comprometidas por vieses e relatórios controversos. Questiona-se o tratamento ao trabalhador rural e o uso da terra.

O trabalhador rural da cana é o mais bem pago e o cultivo ocupa apenas 7,8 milhões de hectares no Brasil, dos quais 4,4 milhões para álcool. É muito menos que os 24,5 milhões de hectares ocupados com soja, os 12 milhões hectares com milho, e os 211 milhões com pastagens. É verdade também que a cana avança lentamente sobre pastagens degradadas. Mas esses argumentos não bastam, e nossos interlocutores estão cansados de mapas mostrando que o cultivo da cana está a 2500 km da Amazônia. Colocam em questão, os impactos do uso do solo. A pastagem substituída pela cana não estaria levando a fronteira agrícola, e as pastagens, para a Amazônia? Temos de nos preparar para esse argumento. A resposta é "não", mas exige comprovação.

A taxa de ocupação da pecuária, de 0,8 cabeça/ha é muito baixa. Porém, São Paulo já ultrapassa 1,2 cabeça/ha. Um aumento de 50% basta para liberar mais de 70 milhões de ha de pastagens, quase 16 vezes a área atual ocupada com cana para álcool. Há casos em que se usa o bagaço excedente para alimentação animal no período crítico de seca, com capacidade de engorda superior comparada à pastagem.

O Consenso de Biocombustíveis Sustentáveis, concluído em março por 17 pesquisadores independentes de 12 países, reunidos no Centro de Bellagio, Itália, da Fundação Rockefeller desmistifica várias bobagens. E recomenda a formuladores de políticas energéticas a produção e uso de biocombustíveis de forma sustentável.

Acusações ao etanol de cana produzido segundo o modelo brasileiro não se sustentam. Em nível global, a acusação de que biocombustíveis incrementam o preço dos alimentos pede melhor análise. Dos 13,2 bilhões de hectares de terras no mundo, 1,5 bilhão hectares são ocupados pela agricultura e 3,5 bilhões com pastagens para a produção de carne, leite e lã. Biomassa para biocombustíveis ocupa apenas 0,025 bilhão ha; no Brasil, 0,0044 bilhão ha.

Claro que o etanol de milho ou de trigo produzido nos EUA e na Europa impacta o preço dessas commodities, mas não é o único fator. Investimentos especulativos, condições climáticas adversas em regiões produtoras importantes (China, Índia e Austrália) e o aumento na demanda por alimentos (China e Índia) são fatores bem mais relevantes. Desta forma, tanto no Brasil como no resto do mundo, o desafio deixa de ser a conquista da competitividade, já obtida, para a conquista ou comprovação da sustentabilidade.

Fonte: Gazeta Mercantil

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