A febre mundial do etanol e a revolução do carro flex no mercado interno estimulam o aumento da produção brasileira. Mas esse avanço ocorre sem planejamento estratégico de médio e longo prazos. Segundo especialistas, o principal desafio do Brasil é definir com urgência os mecanismos de mercado do etanol e a sua participação na matriz energética, além de questões tributárias e de logística. Para o presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Eduardo Pereira de Carvalho, que comandará a abertura hoje em São Paulo do Ethanol Summit, evento que terá a participação de especialistas, investidores internacionais e governos, o planejamento “já começa a acontecer, mas ainda estamos a anos luz de um ambiente regulatório estável e permanente. Ainda não é seguro que tenhamos as regras para avançar sem preocupações.” O Ethanol Summit se encerra amanhã.
Os problemas são enfrentados no dia-adia: quando sobra álcool, se discute o aumento da mistura à gasolina. Quando falta álcool, fala-se em reduzir o percentual de mistura. “Há momentos em que alguns órgãos do Executivo acham que a prioridade é o mercado interno e querem controlar a exportação para ter mais oferta aqui. Isso gera uma série de dúvidas no mercado”, diz o diretor técnico da Unica, Antonio de Pádua Rodrigues.
Para que o álcool se viabilize como mercado e seja competitivo em relação ao petróleo, precisa de várias definições que dependem do Executivo e do Congresso, principalmente a unificação da alíquota do ICMS em todo o país no nível de São Paulo (12%), a manutenção do atual imposto na gasolina (Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico — CIDE) e a criação de mecanismos de mercado que reduzam a volatilidade de preço. “Precisamos fazer com que funcionem os contratos futuros e que participem desse mercado não só produtores e distribuidores, mas qualquer outro agente (bancos, pessoas físicas, fundos de investimento), como acontece com qualquer commodity. Assim, o álcool terá mais liquidez”, explica Rodrigues.
Mesmo sem planejamento estratégico, a produção segue de vento em popa, de olho na expansão da frota flex fuel e no potencial do mercado externo, que tende a aumentar à medida que os países introduzam políticas públicas mandatórias para o uso de etanol. “A questão é o tempo necessário para haver um ajuste entre o crescimento da oferta e a existência efetiva de mercados (em função dos preços elevados do petróleo e de aspectos ambientais)”, diz Rodrigues. Mas ele vê um risco na expansão desordenada dos investimentos na produção de álcool. “A Petrobras está investindo no duto de Senador Canhedo para exportação. Quando Goiás terá 5 bilhões de litros de excedente para colocar no duto e embarcar para o mercado externo? Não vai ser agora.” Segundo o diretor da Unica, “será necessário que a oferta cresça muito em Goiás para viabilizar-se uma logística de transporte como essa.” O duto levará o álcool do Centro Oeste para a refinaria de Paulínia (SP) e de lá até o porto de Santos.
Os investimentos em execução no Brasil estão orçados em US$ 17 bilhões até 2012, dos quais US$ 14 bilhões em novas unidades e US$ 3 bilhões nas já existentes. Em 2012/2013, a Unica prevê o funcionamento de 412 usinas. No Brasil todo, incluindo-se o Nordeste, existem cerca de 370 usinas funcionando.
A expectativa é de uma produção de 18,5 bilhões a 19 bilhões de litros de álcool no Centro-Sul em 2007, que deverá ser toda comercializada, no Brasil e no exterior. No ano passado, foram exportados 3,5 bilhões de litros, volume que o setor espera manter neste ano. Para os EUA, principal mercado, a expectativa é atingir o nível máximo de venda (1,2 bilhão de litros) via CBI (Iniciativa da Bacia do Caribe), que isenta de pagamento de tarifa de importação o etanol que entra no mercado americano na proporção de até 7% do consumo doméstico do país. O álcool brasileiro segue para o Caribe hidratado e lá passa por um processo de desidratação, para ingressar nos EUA como anidro (para ser misturado à gasolina).
A grande questão é se o Brasil vai repetir o embarque de 1,7 bilhão de litros de álcool direto para o mercado americano, como fez em 2006, diz Rodrigues. Os EUA aplicam 2,5% de direito ad valorem além de direito específico de US$ 0,54 por galão. Segundo ele, repetir a façanha dependerá muito do preço do galão de álcool praticado no mercado americano e dos preços no mercado brasileiro. “Dependendo desse diferencial essas exportações vão continuar, em menor ou maior escala. O diferencial às vezes se reduz porque o custo da logística no álcool americano, produzido no Centro-Oeste e distribuído ao centro consumidor, é muito parecido ou mais alto do que o custo no Brasil, da região produtora aos consumidores. Portanto, o imposto de importação acaba ficando como diferencial. Isso é que vai definir quanto irá de álcool para o mercado americano. Se não houvesse a tarifa, esse diferencial de preço seria reduzido em US$ 0,54 por galão, aumentando a nossa viabilidade de venda”, explica o diretor da Unica.
Desde o início do ano, o setor sucroalcooleiro escolheu a Casa Civil para discutir a sua agenda e tentar uma coordenação entre o governo e os empresários, uma vez que o álcool precisa de políticas públicas para conviver com a gasolina. Os temas da agenda são bem definidos: liquidez do álcool, sua participação na matriz de combustíveis líquidos, implementação do protocolo de cooperação Brasil-EUA, especificação do produto no âmbito dos dois países visando o mercado internacional, questões ambientais, participação em pesquisas americanas, reforma tributária, logística e financiamento. “As coisas começaram muito bem, mas a discussão precisa ser retomada com a nova administração da Unica”, diz Rodrigues.
Enquanto não se ordena o mercado, onde se assiste a uma grande volatilidade de preços, os investidores não param de desembarcar nas regiões produtoras para se associar a empreendimentos já existentes, comprar velhas usinas ou investir em unidades novas, comenta Rodrigo de Campos, sócio da P.A. Sys, empresa de engenharia de Piracicaba que projeta usinas no Brasil e no exterior e presta serviços de consultoria no setor sucroalcooleiro. “O interesse maior dos estrangeiros é pela originação de produto, ou seja, ter etanol garantido para exportar para os respectivos países de origem do investidor”, diz Campos.
Nos últimos meses, crescem os anúncios de novos investimentos. Entre os negócios destacam-se injeções de capital estrangeiro em grupos tradicionais. São recursos de fundos de pensão americanos, de investidores chineses e europeus. Assíduos freqüentadores dos principais rankings da riqueza mundial estão efetivando negócios no ramo do etanol. O grupo Soros é um deles. Comprou uma usina e está montando outras duas. A Brazil Renewable Energy Company (Brenco), comandada pelo ex-presidente da Petrobras, Henri Phillipe Reichstul, pretende construir dez usinas no Centro-Oeste com cerca de US$ 2 bilhões injetados pelos sócios Vinod Khosla, Stephen Case, Ronald Burkle, Stephen Bing e James Wolfensohn. Os projetos estão baseados no fechamento de contratos para fornecimento de longo prazo de grandes volumes de etanol, principalmente para grupos estrangeiros.
A entrada de fundos na produção de etanol é um movimento recente. O primeiro a investir no país foi o grupo Infinity Bio-Energy, com capital aberto na bolsa de Londres em maio de 2006. No fim do ano passado, um outro grupo de investidores europeus e brasileiros anunciou a criação da Clean Energy Bio-Energy (CEB), também com ações negociadas na bolsa de Londres. Esses novos nomes se juntam aos já conhecidos no mercado brasileiro, como Cosan, Tereos, Dreyfus, Biagi e Cargill.
A expansão dos investimentos está centrada no Estado de S. Paulo, Triângulo Mineiro, Sul de Goiás e Mato Grosso do Sul. O interesse é estar próximo do grande centro consumidor, mas também de facilidades logísticas para atender o mercado externo. “O pessoal do Mato Grosso do Sul tem a alternativa do porto de Paranaguá, quem está em Uberlândia, tem o porto de Santos. Já as usinas de Goiás são um pouco mais carentes em termos de exportação, mas o governo do Estado reduziu o ICMS para 15%, para alavancar a demanda interna de álcool em Goiás”, comenta o diretor técnico da Unica.
Os projetos de desenvolvimento de etanol, especialmente quando focam a exportação, precisam de vários tipos de infra-estrutura logística, como caminhões, dutos, tanques de armazenamento e navios tanque. Na avaliação de Iwao Okamoto, diretor executivo da Sumitomo Corporation, que fará palestra no Ethanol Summit, “considerando o tamanho do investimento necessário para cobrir plantação, usinas e logística, será interessante para os investidores se a projeção de demanda futura for adequada à que se tornará disponível de fato.”
Okamoto lembra que, atualmente, nos principais mercados automobilísticos, incluindo Europa, EUA e Japão, existem acaloradas discussões sobre a nova geração de combustíveis para automóveis, junto com a preparação de “carros amigos do meio ambiente” pelos fabricantes. Mesmo depois de havermos optado pelo etanol, ainda haverá a questão da produção doméstica contra a importação.” Segundo ele, “é recomendável, tanto para os países importadores como exportadores, trocar informações sobre a demanda futura e o potencial de suprimento.”
O grande motor dos investimentos no Brasil é o sucesso do carro flex-fuel, lançado em 2003. Em 2007, estima-se que 88% das vendas de carros no mercado brasileiro sejam de flex-fuel. Noventa por cento desses veículos estão localizados em Estados onde a paridade de preços álcool-gasolina viabiliza o uso do primeiro. Mais de três milhões de unidades rodam hoje pelas ruas do Brasil.
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terça-feira, 13 de maio de 2008
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