terça-feira, 13 de maio de 2008

Mitos sobre o álcool

O físico José Goldemberg tem reputação internacional como especialista em fontes alternativas de energia, cuja importância cresce na razão direta da alta nos preços do petróleo. Uma reputação construída ao longo de pelo menos três décadas, das quais sobressai um artigo clássico, publicado em 1978 no periódico "Science", sobre o potencial energético do álcool de cana-de-açúcar. Quando discorre sobre obstáculos aos biocombustíveis, portanto, deve ser ouvido com atenção.

Goldemberg falou ao jornal "Valor Econômico" sobre quatro mitos que rondam combustíveis renováveis, todos negativos, e que acabam por contaminar o álcool de cana. Ei-los: biocombustíveis causam desmatamento; estão provocando fome no mundo; seu efeito sobre a emissão de gases do efeito estufa é nulo; seriam viáveis apenas em nichos, como o brasileiro.

A primeira afirmação, segundo Goldemberg, não é válida nem para os Estados Unidos nem para o Brasil, os dois maiores produtores. Nos Estados Unidos, a matéria-prima do álcool é milho, cujo cultivo avança sobre áreas de soja, e não sobre terras virgens (artigo raro por lá).

Aqui, as lavouras de cana ocupam superfície comparável à do Rio Grande do Norte, mas isso corresponde a meros 2% dos 2,9 milhões de km2 utilizados pelo setor agropecuário (pouco mais de um terço do território nacional). E o aumento da área canavieira, inegável, costuma ocorrer pela conversão de pastagens. Para o físico, a cana não contribui nem mesmo de modo indireto para desmatar a Amazônia, pois o espaço ocupado por pastos está até diminuindo -é a produtividade da pecuária que aumenta.

O segundo equívoco Goldemberg descarta com outro dado objetivo: a agricultura de todos os países juntos se espalha por 12 milhões de km2 do planeta, mas só 100 mil km2 são destinados a biocombustíveis nos EUA e no Brasil. Ou seja, os "críticos perderam completamente o senso de proporção".

O terceiro mito, do suposto balanço energético desfavorável dos biocombustíveis, é rebatido pelo entrevistado com uma condenação ao álcool de milho. Este produz apenas 1,5 unidade de energia renovável para cada unidade de energia fóssil (petróleo empregado para produzir fertilizantes ou diesel para máquinas, por exemplo). O álcool de cana, por seu turno, rende oito. Vale dizer, o etanol brasileiro é cinco vezes mais eficiente para substituir combustíveis que agravam o aquecimento global.

Por fim, Goldemberg derruba a quarta mistificação, assinalando que apenas 25% da cana mundial está plantada no Brasil. Há canaviais em vários outros países tropicais, como os da América Central e da África, para citar duas regiões com grande potencial de expansão. Uma expansão que só não se materializa mais depressa porque a agricultura menos produtiva dos países ricos precisa de mitos e subsídios para sobreviver no mercado globalizado.


Editorial
Fonte: Folha de S. Paulo

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