quarta-feira, 2 de julho de 2008

Justiça derruba lei que limita área de cana em Rio Verde/Goiás

As usinas de álcool de Goiás derrubaram na Justiça uma lei que restringia a plantação de cana-de-açúcar a 10% do território agricultável no município de Rio Verde, principal pólo produtor de grãos do Estado. A decisão abre caminho para que outras regiões do país, como sul do Mato Grosso do Sul e Triângulo Mineiro, consideradas novas fronteiras canavieiras, retirem a delimitação de área para a cultura.

Embora o município de Rio Verde tenha argumentado que a limitação para cana tem como objetivo assegurar o desenvolvimento propiciado pela soja na região, o órgão especial do Tribunal de Justiça de Goiás considerou inconstitucional a sua lei. Ganhou o argumento de que a imposição de limites à propriedade é atribuição da União e não das prefeituras. A decisão pode ser questionada nos tribunais superiores, como STJ (Superior Tribunal de Justiça) e STF (Supremo Tribunal Federal).

O principal raciocínio foi de que a livre iniciativa em prol dos canaviais é tema de interesse nacional por se tratar de "assunto de repercussão geopolítica e estratégica mais ampla, mormente com a anunciada falência da matriz energética global baseada nos combustíveis fósseis e a assunção pelo Brasil de liderança no mercado internacional de biocombustíveis, com destaque para o etanol" .

A região de Rio Verde concentra importante produção de aves e suínos. Lá a Perdigão tem seu maior complexo agroindustrial. O grupo teme que a expansão da cana ocorra sobre as áreas plantadas com grãos, matéria-prima da ração dos animais.

O prefeito de Rio Verde, Paulo Roberto Cunha, afirma que, com a limitação, a cana teria 50 mil hectares no município. Hoje os canaviais ocupam 17 mil hectares, mas prometem avançar mais com a instalação de duas novas usinas. Ele diz querer manter a região como forte produtora de grãos. "Essa produção [de grãos] tem dado desenvolvimento econômico e social ao município. A cana, ao contrário, só ocupa as pessoas durante o corte e torna-as dependentes da cultura. Isso gera desemprego e despesas à saúde pública."

A decisão de Rio Verde levou vários municípios do país a tomarem a mesma iniciativa. Segundo Cunha, mais de 100 municípios de vários Estados pediram cópias e informações sobre a lei. A 60 quilômetros de Rio Verde, a cidade de Jataí, também forte pólo de grãos, decidiu que apenas quatro usinas de açúcar e álcool poderiam se instalar na cidade, restringindo a cultura canavieira a entre 15% e 20% da área agricultável, explica o prefeito da cidade Fernando Peres, ao Valor. Ele diz que não abre mão de manter os projetos sucroalcooleiros a apenas quatro unidades para evitar confronto com outras culturas. Em Dourados, pólo de grãos do Mato Grosso do Sul, a área para cana está restrita a 30% do total.

Mas o Sindicato das Indústrias de Álcool de Goiás (Sifaeg) argumenta que, no caso de Rio Verde, a lei resultou de uma "canofobia" resultante da defesa dos interesses da produção de soja e da Perdigão.

Com investimentos projetados em R$ 1,1 bilhão para o Estado, concentrados sobretudo no sudoeste goiano, a Perdigão depende dos produtores de grãos de Jataí, Mineiros e Rio Verde para abastecer os animais que serão abatidos em suas unidades . "O grupo não fez lobby para que a lei de Rio Verde fosse aprovada. A empresa manifestou preocupação em relação à expansão canavieira nas áreas plantadas com grãos", diz Ricardo Menezes, diretor de relações institucionais do grupo.

Segundo André Rocha, presidente do Sifaeg, a lei foi aprovada como uma tentativa de combate à monocultura, mas o que domina atualmente o município de Rio Verde é a soja, seguida pelo milho. "A cana seria a quarta ou quinta atividade do município e contribuiria para a diversificação econômica da região", diz. Para ele, é legítimo o município ter intenção de fomentar determinada atividade econômica. "Isso deve ser feito por meio de incentivos aos segmentos que ser estimular, com benefícios fiscais ou logísticos, por exemplo. Mas não pode ser feito com restrição a uma outra atividade."

O prefeito de Rio Verde afirma que irá recorrer da decisão judicial que derrubou a lei do município. "Vamos também organizar o uso de outras medidas, como as ações populares", revela. Esse tipo de ação judicial pode ser proposta por qualquer cidadão que queira questionar na Justiça o que considera um ato lesivo ao patrimônio público ou ao meio ambiente.

O secretário de Agricultura de Goiás, Paulo Martins, tenta se manifestar de maneira neutra. "Em princípio os municípios são autônomos para definir o uso e a ocupação do solo, mas o Estado considera a cana bem-vinda e vê a chegada da indústria canavieira como uma oportunidade para impulsionar a região com os biocombustíveis." A idéia, porém, é respeitar casos de municípios que já possuem um perfil agroindustrial definido.

Goiás tem 86 projetos de novas usinas, com investimentos estimados em R$ 12 bilhões. Mas só cerca de 50 unidades deverão sair do papel. A expectativa é de que a produção de cana salte dos atuais 20 milhões para 60 milhões de toneladas em 2012.

No início do ano, as indústrias de álcool de Goiás já tinham ido à Justiça contra uma lei de Quirinópolis que pretendia regular a compra da cana. A lei obrigava as usinas a comprar parte da cana de produtores que não tivessem vínculo com os sócios das usinas até a terceira geração de parentesco, explica o advogado que representa o Sifaeg, Luiz Augusto Filho, do escritório Augusto, Asprino, Blanche, Camazano, Carraro e Nazima.

O sindicato obteve uma liminar suspendendo os efeitos da lei de Quirinópolis, informa o presidente da entidade. O Sifaeg estuda os impactos de uma nova lei do município de Santa Helena de Goiás, que faz divisa com Rio Verde. Mais voltada para a questão ambiental, a lei delimita o plantio da cana a distâncias mínimas de reservas nativas, margens de rios e córregos. Também proíbe canaviais num raio de dois quilômetros do perímetro urbano e estabelece um cronograma de restrição à queima a determinadas distâncias do centro da cidade. Para os canaviais já instalados nas áreas proibidas há prazo até 2018 para a retirada. Santa Helena é cidade natal do governador de Goiás, Alcides Rodrigues Filho. O município tem como prefeita Raquel Rodrigues, que também é a primeira-dama do Estado.

Na região do Triângulo Mineiro, as usinas do Estado conseguiram derrubar a decisão dos municípios de Guaranésia e Uberaba, que restringiam o plantio de cana em 30%, segundo Luiz Cotta Martins, do Sindicato das Indústrias de Açúcar e Álcool de Minas (Siamig).

A preocupação do governo federal é estabelecer o zoneamento nacional da cana para evitar que a cultura avance em regiões do bioma amazônico e no Pantanal. "Esse zoneamento ficará pronto no final de julho", diz Manoel Bertone, secretário de Produção e Agroenergia do Ministério da Agricultura.

Marta Watanabe
Mônica Scaramuzzo

Fonte:
Data: 02/07/2008

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