quarta-feira, 2 de julho de 2008

Lei do biocombustível da UE pode conter "armadilha ecológica" para Etanol do Brasil

02/07/08 - Considerado uma energia limpa, o etanol brasileiro pode ser vítima de uma armadilha ecológica que está sendo armada nos projetos de regulamentação dos biocombustíveis na União Européia.

Pressões brasileiras para mudar o documento ainda em debate em uma das comissões do Parlamento europeu estão sendo feitas pela indústria e governo para clarificar regras que podem ser potencialmente danosas para o etanol.

No dia 16, a Comissão de Indústria e Energia fará uma votação preliminar do texto. Ele estabelece que biocombustíveis produzidos em determinadas áreas não serão considerados para efeito de obtenção das metas para substituir em 10% o uso de combustíveis fósseis em veículos por biocombustíveis.

A União Européia reconhece que a combinação de produção local e importação dará conta das metas. Os critérios para verificação da utilização, porém, têm restrições suficientemente amplas para limitar as compras do produto.

Uma das condições que constam do projeto diz que o produto "não poderá ser feito com matéria-prima obtida em terras com reconhecido valor de alta diversidade".

A definição dos termos tem o poder de colocar sob suspeição o plantio feito em terras do cerrado brasileiro, temem fontes que acompanham de perto as discussões. Entre as áreas consideradas de alta biodiversidade encontram-se as "florestas não submetidas a significativa atividade humana" ou áreas de preservação, "a menos que haja evidência de que a produção não interfira neste propósito".

Outra restrição amplia os termos da anterior. Ela veta benefícios fiscais ou a inclusão na contagem das metas de terras com alto estoque de carbono, como "pastagens de alta biodiversidade" - aquela que é rica em espécies, não fertilizada e não degradada.

Entram também nas áreas virtualmente proibidas as terras úmidas, isto é, "as saturadas de água permanentemente ou por uma parte significativa do ano". O documento toca nestes pontos várias vezes, de diversas formas. Afirma, por exemplo, que o uso crescente dos biocombustíveis não deve encorajar a destruição de terras com alta biodiversidade, atitude que o "consumidor europeu considera moralmente inaceitável".

Se aprovado o projeto, a UE estabelecerá critérios próprios para áreas geográficas que preencham as condições desejadas. Neste sentido, o bloco buscará acordos multilaterais e bilaterais que estejam adequados às novas regras.

As exigências ecológicas não são as únicas. Há a ameaça de que cláusulas sociais sejam aprovadas, entre elas a que considera como critério que o país tenha ratificado dez convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), uma condição radicalmente exagerada. O Brasil não ratificou uma delas, sobre representação sindical, porque a Constituição não permite - os Estados Unidos não ratificaram nenhuma. O conteúdo da cláusula é um ponto que está sendo discutido com representantes da UE, diz a embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues, chefe da missão brasileira para as Comunidades Européias, em Bruxelas.

Outra das cláusulas do projeto prevê uma economia mínima de 35% nas emissões de gases que provocam o efeito estufa, uma barreira que o etanol poderá saltar com alguma facilidade, mas há quem peça um teto maior para considerar o biocombustível adequado ao uso na União Européia. Entretanto, o uso do subproduto , o bagaço de cana, para a geração de energia, que poderia contar ainda mais a favor do etanol, não será considerado no cálculo.

O Brasil articula com outros países a assinatura de carta endereçada ao Parlamento europeu solicitando que os países interessados sejam ouvidos a respeito de todos os pontos restritivos. A intenção pode não ser protecionista, mas seu efeito será inegavelmente este se não forem consideradas as especificidades locais. Uma crítica ao projeto é a de que ele tenta colocar um figurino único para todo o mundo, o que prejudica o esforco brasileiro de exportar uma fonte de energia mais limpa.

A disputa de fontes alternativas de energia também coloca o Brasil em desvantagem na Europa, embora a taxação seja um obstáculo de grande peso. Ela é de ? 19,2 por hectolitro, o que corresponde a 60% do custo do etanol, diz Emmanuel Desplechin, consultor que desde abril foi encarregado pela Unica (União das Indústrias da Cana-de-Açúcar) de atuar em Bruxelas junto ao Parlamento europeu.

Ele vê riscos nas discussões que estão sendo feitas nas comissões, embora acredite que eles ainda não se consumaram. O Brasil exporta cerca de um terço do consumo de biocombustíveis europeus, e as vendas não devem crescer muito porque a maioria dos veículos do continente sao movidos a diesel. Na semana passada, o Brasil exportou US$ 115 milhões de etanol para a Suécia, país onde o sistema flexfuel foi implantado. Para isso, a Suécia obteve um "waiver" da UE e reduziu a taxação para 6,5%.

Outros críticos das posições européias apontam ainda como adversários de uma expansão do etanol brasileiro a indústria automobilística, atualmente mais voltada para encontrar soluções alternativas para o diesel e que não tem mostrado grande interesse pelo sistema flex.


José Roberto Campos
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